14.5.07

non - parte do seu mundo


















Rastos

Exposição de

Eduardo Matos

Manuel Santos Maia

Renato Ferrão

Quadrado Azul – Porto

Inaugura a 2 de Junho

Até 7 de Julho





O projecto:

non - parte do seu mundo

Instalação - Pintura sobre parede (pigmento e cal), objectos (andorinhas de barro), madeira e ferro

2003 - 2007



Portugal num mundo de migrantes

A edição especial da publicação Courrier Internacional dedicada ao fenómeno das migrações comentava: “Refugiados ambientais, exilados políticos, emigrantes económicos, expatriados… Todos os anos, milhões de pessoas optam por mudar de país ou são forçados a tal.” O movimento global tem crescido de forma nunca vista. Conhecemos as principais zonas de emigração, os principais fluxos num mundo de migrantes; mas, das suas experiências e vivências, o que sabemos? Quais as alegrias, as tristezas? O que conhecemos destes migrantes? Que caminhos trilharam?

Em Portugal, país que durante a primeira e segunda metade do século passado, registou fortes fluxos emigratórios, veio a registar no final do mesmo século, com a descolonização, e nos primeiros anos do novo século, um substancial fluxo imigratório que veio alterar a composição da população estrangeira a residir em Portugal. Como explana Maria Ioannis Baganha “O fim do império colonial em África implicou um processo de descolonização que teve como consequência a vinda de milhares de cidadãos dos novos países africanos para Portugal. este fluxo migratório das ex-colónias veio alterar substancialmente a composição da população estrangeira a residir em Portugal, até aí essencialmente constituída por europeus e brasileiros. (…) no decorrer da década de 80 a população estrangeira cresceu a uma taxa média anual de 6%, atingindo 101011 pessoas em 1989.Nna década seguinte o fluxo migratório intensifica-se ligeiramente (a taxa anual média de crescimento diversifica-se. Em 1999 residem legalmente em Portugal 190896 estrangeiros dos quais 47% eram de oriundos de África, 30% da Europa, 14% da América do Sul e 5% da América do Norte. (…)

Nos últimos três anos, os fluxos migratórios registaram uma intensidade sem precedentes. De facto, entre 1999 e 2002 o número de estrangeiros com residência legal em Portugal cresceu 117%, atingindo 413304 pessoas em finais de 2002”

Se estes dados, nos informam e nos esclarecem quanto às movimentações de populações; eles são ainda insuficientes para nos elucidar quanto ás origens da migração e quanto aos seus efeitos. Ao contrário do que se possa pensar “As determinantes da emigração não radicam na pobreza ou nas diferenças absolutas de salários entre países receptores e emissores. Os mais pobres raramente emigram;” segundo Alejandro Portes. Poderemos questionar - porque razão a migração com destino a Portugal ocorre principalmente das suas antigas colónias? O mesmo autor esclarece-nos que “As correntes migratórias em geral dirigem-se de países periféricos para aqueles países centrais com os quais possuem maiores vínculos históricos e que são normalmente responsáveis pela difusão de novos desejos e aspirações.”

Conhecidas as motivações que levaram à escolha de um determinado país, teremos que conhecer as vivências dos imigrantes no país receptor, para que possamos compreender, a dimensão da sua presença no país de adopção. Deveremos então colocar as seguintes questões: como se efectua o processo de adaptação? qual o seu êxito? entre os imigrantes de primeira e os de segunda geração, quais as diferenças e alterações verificadas no processo de adaptação? Segundo Portes, “O processo de adaptação dos imigrantes não culmina necessariamente na sua assimilação à cultura e sociedade receptoras. Pode antes orientar-se em direcções fundamentalmente distintas que incluem: (a) o regresso ao país emissor; (b) o surgimento voluntário de enclaves étnicos semi-permanentes com cultura própria; (c) a segregação racial dos imigrantes por parte da sociedade receptora e o seu confinamento involuntário a um sistema de castas.

O êxito do processo de adaptação depende menos daquilo que os imigrantes trazem consigo e mais de como são acolhidos pelo governo e sociedade receptoras. Os modos de recepção hostis dão lugar a “formações reactivas” que distanciam os imigrantes cada vez mais dos padrões normativos dominantes e dão lugar a crescentes conflitos inter-étnicos.

A longo prazo, o carácter da adaptação de minorias estrangeiras não se afere pelo destino da primeira geração mas da segunda. Os imigrantes de primeira geração orientam-se constantemente para os seus países de origem e a eles regressão em muitos dos casos. O seu ponto de referência consiste nos salários e condições de vida deixados para trás. Os seus filhos, contudo, orientam-se para o país receptor do qual são cidadãos legais ou, pelo menos, membros sociais. Os resultados finais do processo de adaptação (…) ocorrem a partir da segunda geração.

Pelo exposto, e parafraseando o artigo do Courrier Internacional, aplicando-o à realidade portuguesa, poderemos colocar as mesmas questões: Se sabemos que Portugal é um país de migrantes, se conhecemos os principais fluxos, as zonas de emigração e os destinos; o que sabemos das suas experiências e vivências? O que conhecemos dos nosso migrantes?

Restringindo o campo de análise, detendo-nos na imigração verificada em Portugal; muitas foram as alterações culturais, sociais, políticas e religiosas verificadas. Contudo, na produção artística contemporânea e em especial na área das artes plásticas, poucos são os estudos ou os momentos de reflexão sobre a influência e sobre a presença de outras culturas na criação artística portuguesa.

non - parte do seu mundo reflecte a condição existencial de muitos dos migrantes (os que se encontram a viver em Portugal e muitos outros que saíram do país) que procuram outros horizontes.

M.S.M



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“ (...) Sob a diferença da conjuntura, vibra hoje, estruturalmente, o mesmo Portugal que Eça conheceu nas décadas de 80 e 90 do século XIX: instituições bloqueadas ou ineficazes (Justiça, Educação, Saúde), uma classe política genericamente medíocre – refugo, em todos os partidos, das notáveis direcções refundadoras da democracia -, uma Assembleia da República de funcionários, em que mais sobeja o interesse do que o pensamento, um empresariado especulativo, assente no betão e no comércio de curto prazo, elites jogando com a sorte, visando a fama sem suor do estudo e do trabalho, um povo bárbaro rastejando em Fátima ou ululando em estádios de futebol, de olhos grudados numa televisão vocacionada para mentes imbecis, frequentando os delirantes maiores centros comerciais da Europa. Sabemos hoje que o Regicídio e a República não fora solução, desembocando na mais longa ditadura europeia do século XX, fazendo-nos regredir a uma mentalidade eclesiástica fundada no analfabetismo, na miséria e na superstição: Fátima tornou-se o altar do mundo e Portugal o último país da Europa. Em 1986, tornámo-nos europeus com 50 anos de atraso, constatando todos os dias que o sonho pombalino que há 250 anos perseguíamos se vai esboroando no interior de uma Europa decadente e fragilizada, como maximamente teorizou Eduardo Lourenço. Consciencializamos, hoje mais do que nunca, que a Europa também não é solução, e que a solução, estando nós já na Europa, não pode agora senão estar em nós – um país pequeno, medíocre, que medíocre permanecerá até meados deste século, conduzido por elites cegas, parasitárias e autofágicas, totalmente desprovidas de consciência histórica, cujo único objectivo assenta na macaqueação de modelos estrangeiros, amiúde a uma realidade histórica, as mesmas elites que forçaram Eça a registar na carta à rainha D. Amélia que face a um país assim, só se pode desejar, não que se lute pela monarquia ou pela república, mas que se remedeie casa e pão para todos, majestoso ideal humanista do Último Eça, que os nossos governos, dirigidos por engenheiros e economistas, totalmente desprovidos de espírito histórico, moldados por uma mesma mentalidade contabilista, criados à sombra paternalista do Estado, movidos por um afã liberal num povo envelhecido e secularmente carecido de riqueza e protecção, continuam a achar desprezível, contribuindo para tornar mais pobres as populações pobres. A tais seres, espectros permanentes da política portuguesa desde o século XIX -, responde hoje o povo como respondia no tempo de Eça, emigrando: 90 mil portugueses abandonam o país por ano (in Público, 15/8/06). É sem dúvida a melhor resposta que se pode dar, emigrar, abandonar Portugal aos fâmulos fantasmáticos da economia a todo o custo. Como no tempo de Eça, substitui-se a pessoa pelo orçamento. Em Portugal, país habitado por dois milhões de pobres, menos Estado significa mais miséria, menos protecção, menos hospitais, menos escolas, menos transportes públicos e mais lucros individuais, bafejando não uma classe média sólida – futura e exclusiva salvação de Portugal – mas uma minoritária classe financeira especulativa e um minoritário empresariado ostensivo, com evidente mentalidade de patrão. (…) a farsa, por vezes trágica, por vezes jocosa, em que Portugal se tornou desde a década de 80, quando a direcção política dos pais fundadores da democracia foi substituída por «jovens turcos» provindos do Algarve, das Beiras e do Norte crescidos e enformados no interior dos partidos, possuindo destes uma visão instrumental de acesso ao poder e de nobilitação individual e não de nobilitação das populações. Concentremos a nossa esperança nas elites futuras e não esperemos nada de redentor das presentes senão aquilo a que um resto de pudor cristão, bom senso e legislação europeia as obriguem a fazer. Da sua cabeça própria, esperemos apenas ignorância, sobranceira e estupidez. (…) o facto de termos nascido em Portugal em época de profunda mediocridade geral, onde, à semelhança do final da Regeneração, de novo impera, avassaladoramente – (…) -, a democracia sem valor nem mérito, a omnipotência do dinheiro, o império de uma educação sem alma, inspirada por sociólogos de olhos numéricos e mente vazia, e o esboroamento dos antigos valores humanistas europeus da generosidade, da honestidade e da espiritualidade.”

“O Último Eça” de Miguel Real, QuidNovi, Lisboa, 2006




Manuel Santos Maia na continuação do desenvolvimento de NON, aqui a versão Non – parte do seu mundo, delimita na pretensão de uma estética portuguesa, se não de imagens portuguesas, quereria dizer, visível quando se folheia a apresentação integral do trabalho. A evidência formal neste último, desde as andorinhas migrantes à lista azul das casas do sul e do mar, as arquitecturas suspensas dos ninhos e dos postos de electricidade, vem da preocupação de instalar um pedido de atenção a iconografias inocentes que podem representar contextos problemáticos como o fluxo de emigração. De Portugal, mas não só, porque as linhas que atravessam os postes onde pousam as aves pronunciam ligações, este trabalho amplia-se da periferia para o centro, do local para o global. Nessa horizontal paisagem algumas das andorinhas vivem com asas quebradas, e desfeitas as possibilidades de voar acabam na morte do país que já não importa ser, ou não ser, o seu. Querendo averiguar as razões actuais das migrações e, principalmente, descristalizar as reflexões sobre essas mesmas, o autor opta por traçar uma geografia de lugares, casas temporárias entre o regresso e o trabalho, tendo em conta a fragilização do corpo que migra.

Rastos de Eduardo Matos, Manuel Santos Maia e Renato Ferrão.” Texto de exposição de Aida Castro, Junho 2007


Em Rastos, Eduardo Matos, Manuel Santos Maia e Renato Ferrão apresentam trabalhos inéditos, em instalação e escultura, que convocam elementos relacionados quer com o espaço e a arquitectura, quer com uma ideia de memória, ou que utilizam estes mesmos elementos na problematização de outras temáticas relacionadas com a vivência contemporânea.

Manuel Santos Maia propõe a criação de três instalações constituídas por diversos elementos, sendo que a temática central da peça é a migração, mais especificamente os processos migratórios verificados no e a partir do território nacional. A reflexão em torno desta questão concretiza-se através de um mural que convoca a paisagem arquitectónica tradicional alentejana e da costa sul do Algarve, sendo que algumas características típicas deste tipo de construções são utilizadas no mesmo mural. A alusão a um determinado percurso migratório não concretizado, bem como da morte, aparece nestas obra através da colocação no chão de representações tradicionais portuguesas de andorinhas em barro, que se encontram quebradas (provenientes dos países a sul da Europa, as andorinhas representam também as migrações que actualmente se verifica entre o norte de África e a Europa). Ao longo da parede oposta serão também colocadas representações de postes de electricidade. Os fios, suportados por estes postes, irão atravessar o espaço expositivo, representando ligações, mas também convocando os lugares onde normalmente observamos algumas espécies de aves migratórias, como as andorinhas ou as cegonhas.

Manuel Santos Maia nasceu em Nampula, Moçambique, em 1970. Licenciado em Artes Plásticas – Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Manuel Santos Maia, iniciou o projecto “Alheava” – cujo título surgiu de uma frase do livro “De Profundis Valsa Lenta”, de José Cardoso Pires – em 1999, trabalhando registos de imagens e negativos realizados pela família na província africana. Histórias do colonialismo português em África são contadas pelo artista a partir de uma perspectiva diferente, revisitando a memória familiar no período que precedeu a descolonização. Este surgiu com apresentação de um primeiro conjunto de imagens sob o título “Introdução”, à qual se seguiu a mostra “A casa onde às vezes regresso”, na Galeria Museu Nogueira da Silva, Braga e a exposição “Alheava – Nampula”, na Galeria Quadrado Azul – Porto. Fotografia, slides, álbuns familiares, selos de correio e outros objectos vários, como por exemplo rolos de fotografias inutilizados, são alguns dos materiais utilizados por Manuel Santos na prossecução da sua actividade artística, através da qual reflecte em torno de questões como o deslocamento dos “retornados” no período pós revolução em Portugal e, numa acepção mais vasta, a condição dos deslocados da sociedade contemporânea, como coloca Sandra Vieira Jürgens. Actualmente é doutorando do Doutoramento em Artes Plásticas e Artes Visuais “Modos de Conhecimento na Prática Artística Contemporânea” pela Universidade de Vigo e participa na exposição “Depósito: anotações sobre densidade e conhecimento”, comissariada por Paulo Cunha e Silva e patente até 30 de Junho na Reitoria da Universidade do Porto.




Galeria Quadrado Azul – Porto
Rua Miguel Bombarda, 435
4050-382, Porto


Tel.: 22 60 97 313
e-mail: galeria@quadradoazul.pt
web:
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Horário:
De terça a sexta das 10h00 às 12h30/ 15h às 19h30
Segunda e sábado das 15h às 19h30